Entre
as polêmicas que cercam a Operação Lava Jato figuram com destaque o menor
interesse da Polícia Federal, de parte do Judiciário e da velha mídia, em
investigar casos que atingem tucanos. Causa espécie que as investigações
praticamente tenham estabelecido uma “data de corte” – o ano de 2003 –,
deixando de lado fatos ocorridos dentro e fora da Petrobras antes disto.
Um
exemplo claro é um contrato assinado entre a empreiteira UTC e a estatal
brasileira no penúltimo dia do governo FHC, dia 30 de dezembro de 2002, no
valor aproximado de R$ 56 milhões. Não se pode falar em prescrição, portanto.
Este
contrato está vinculado a um processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
por suposta realização de operações fraudulentas e manipuladas com dólar em
Bolsa de Valores. Segundo a acusação, foi um tipo de operação conhecida no
mercado como “esquenta-esfria”, em que a empresa simula prejuízo para dar saída
a recursos que pretende pagar a terceiros de forma sub-reptícia.
O
caminho do dinheiro mostrou que a UTC perdeu R$ 1,37 milhão na operação. Quem
ganhou foi um dentista que vive em Portugal (ou vivia na época). Mas o curioso
foi que, em seguida, o dentista distribuiu o dinheiro para cerca de 20 pessoas
e empresas por meio de cheques.
A
UTC foi multada em R$ 500 mil pela CVM no final do julgamento administrativo,
em 11 de maio de 2010. Os fatos foram comunicados à Procuradoria da República
no Estado de São Paulo, mas não há notícias de investigações no âmbito
judiciário sobre este assunto, nem por parte da força tarefa da Lava Jato.
Foi
o próprio Ricardo Pessoa, dono da UTC, quem ligou esta operação no mercado
financeiro ao contrato com a Petrobras. Em sua defesa junto à CVM ele declarou
que “a Ultratec (UTC) participou de uma concorrência com a Petrobrás, cuja
proposta tinha prazo de entrega no dia 28 de outubro de 2002, e valor
aproximado de US$ 56 milhões; como a Ultratec tinha parte das despesas em reais
e receita de serviços em dólar, e com o valor do dólar em R$ 3,80 aproximadamente,
foi tomada a decisão de realizar um contrato de opção flexível de dólar, que
protegesse a sua receita da variação cambial, no caso de queda do valor do
dólar abaixo de R$ 3,40, ou seja, pretendia assegurar o preço do dólar entre R$
3,40 e R$ 3,50, valor que lhe foi informado como provável por analistas
financeiros de bancos consultado à época”.
Esclareceu
que “o contrato foi realizado no valor de US$ 36 milhões, que era o valor
correspondente às despesas da Ultratec (…) que o contrato foi assinado com a Petrobras
em 30 de dezembro de 2002 (…) e que o contrato de opções de dólar foi encerrado
sem renovação por falta de interessados em fazê-lo e também porque o declarante
passou a ter dúvidas quanto a se deveria continuar ou não, pois não sabia se o
contrato entre a Ultratec e a Petrobras seria assinado”.
De
acordo com a acusação, a UTC comprovou a existência do contrato, porém, não
aceitou como razoável que a operação contra riscos cambiais fosse sem registro
nem garantia da BM&F, assumindo o risco de crédito de uma contraparte que
não sequer conhecia, a São Paulo CV.
A
CVM investigava apenas operações no mercado de capitais e que nada tinham a ver
com a Petrobras, usada apenas como “álibi” para Ricardo Pessoa justificar em
sua defesa. Mas à luz de hoje esta vinculação merece melhor esclarecimento.
Pelo
menos três fornecedores da Petrobras já disserem terem combinado o pagamento de
propinas para o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, entre 1997 e 2003. A SBM
Offshore, em investigação na Holanda e na Procuradoria da República do Rio de
Janeiro, antes da Lava Jato. Outra empresa citada foi de nome Progress, e desta
não há notícias se existe investigação. A última foi a Rio Marine, do delator
Mário Goes, que disse ter combinado com Barusco o pagamento de propina no
início dos anos 2000 e só não foi paga porque o contrato não vingou.
Também
está mal explicada a história de que o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, tenha sido indicado pelo ex-deputado José Janene, do PP, para pagar
propina ao partido, se ele fosse completamente neófito nesta área.
Os
diretores e gerentes corruptos da Petrobras eram funcionários de carreira, que
ocuparam postos destacados antes de 2003. Há claras evidências, inclusive no
próprio noticiário da época, de que casos de corrupção na Petrobras não foram
inaugurados em 2003. O caso de Barusco é prova concreta. Ignorar o que se
passou em 2002, 2001, 2000, em uma investigação ampla compromete a própria
imagem do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Polícia Federal.
O
risco do seletivismo de cor partidária em investigações é, em vez de combater a
corrupção, fortalecê-la, mesmo sem querer, através de outros agentes, mas que
não são investigados.
Há
poucos anos, no Rio de Janeiro a polícia começou a combater áreas dominadas
pelo narcotráfico, porém apenas de uma facção criminosa. O resultado foi apenas
o fortalecimento de outras duas facções. Em outro caso, um ex-chefe de Polícia
Civil acabou processado por perseguir um grupo criminoso que explorava máquinas
de caça-níqueis enquanto outro grupo concorrente expandia os “negócios” sem ser
incomodado. Aqui, faz-se apenas uma analogia nas possíveis consequências,
guardadas as grandes diferenças, porque não há motivos conhecidos para
questionar a honestidade pessoal dos investigadores e não cabe comparar
partidos políticos com exploradores de caça-níqueis.
No
próprio caso Banestado, as atuais autoridades da Lava Jato reconheceram que o
doleiro Alberto Youssef utilizou-se de delação premiada para eliminar
concorrentes e voltar a operar sem concorrência.
No
caso do mensalão, se tivessem investigado e punido gente do PSDB com o mesmo
rigor que puniram os petistas, os tucanos teriam maior interesse em votar uma
reforma política de verdade, transformadora e moralizante, em vez de apoiar o
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em sua agenda antirreforma. É a sensação de
impunidade que leva o PSDB a persistir em manter vícios do sistema político,
acreditando que ajuda a eliminar concorrentes.
Os
governos petistas chegam a ser criticados por seus próprios apoiadores pelo que
chamam de “excesso” de republicanismo, pois dizem que tornou-se o único governo
no mundo que criou uma polícia política contra si mesmo.
De
fato os governos petistas agiram de forma republicana, como deve ser uma
república, respeitando indicações do Ministério Público, não exercendo controle
político na Polícia Federal, não aparelhando o Poder Judiciário. Espera-se que
estas instituições também sejam republicanas, sem proteger tucanos e sem
perseguir petistas. Sem dois pesos e duas medidas.
Velho
conhecido
Responderam
a este processo administrativo na CVM empresas e agentes do mercado financeiro
conhecidos de outros escândalos, como a Corretora Bonus Banval (que operou no
valerioduto), Luis Felippe Índio da Costa, que veio a ser preso depois por
suposta gestão fraudulenta do Banco Cruzeiro do Sul, e Ari Ariza, citado na
própria Lava Jato como agente autônomo de investimento que trabalhava com
Alberto Youssef.
Em
recente entrevista à Rede TV, a ex-contadora do doleiro Alberto Youssef, Meire
Poza, disse: “O Ari (Ariza) sempre disse que ele e o deputado Eduardo Cunha são
bons amigos. Inclusive, depois de deflagrada a Operação Lava Jato, um mês e
meio atrás, eu estive com o Ari (…) Ele me falou: ‘Meire, se você precisar de
alguma coisa, eu posso falar com o deputado Eduardo Cunha”, afirmou.
Segundo
Poza, Ari Ariza e Youssef se conheciam há bastante tempo. Ela disse que Ari
pediu a emissão da nota fria de R$ 1,2 milhão, forjada em 24 de outubro de
2014: “Depois de deflagrada a Lava Jato, eu estive com o Ari – até porque ele
tinha preocupação com essa nota da GFD – e ele disse que se eu precisasse de
alguma coisa, ele poderia falar com o deputado Eduardo Cunha”, contou. Por Helena Sthephanowitz.
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